4.3.06

herança que ninguém quer

Ele era um cara legal. Honesto e muito trabalhador. Muito. Passou a vida trabalhando, acreditando que só o trabalho dignificava o homem e que todo o resto era futilidade, um punhado de coisas que nada agregam ao nosso valor.
Morreu cedo, coitado. Não fazia exercícios e virava noite atrás de noite à base de lanches, pizzas e salgadinhos Elma Chips. Colesterol alto, resistência baixa, zebra. Quase ninguém ficou triste, pouca gente foi ao velório, nenhum amigo apareceu.
Ofício não tinha amigos, somente conhecidos. O porteiro do prédio, os funcionários da padaria e seus colegas de trabalho, que sempre chegavam mais tarde e saíam bem mais cedo.
Morreu pobre, idiota. Achou que bastava trabalhar para ser rico, não percebeu que os mais ricos são os que menos trabalham. Esqueceu de investir, de poupar e até de contabilizar. Gastava tudo conforme ia ganhando, geralmente correndo, indo ou voltando do trabalho.
Ofício não tinha vida, não tinha amores, não deixou saudades. Ninguém o invejava, ninguém queria ser como ele, ninguém queria algo dele, nada.
Trabalhou tanto que se esqueceu de cuidar de sua morte, e quando se foi, ninguém quis saber de ficar com os ossos do Ofício.