27.8.07

duelo ao pôr-do-sol

capítulo II – frito do vaqueiro

Billy começou a salivar no exato momento em que ouviu o garçom dizer “frito do vaqueiro”, com um tédio estampado na voz que só cinqüenta e dois anos pronunciando o mesmo cardápio poderiam proporcionar.
- É isso! Frito do vaqueiro! – babando de entusiasmo.
- Um frito do vaqueiro. – babando de preguiça – E para beber, senhor?
- Que horas são?
- Não temos essa bebida na casa, senhor.
- Foi uma pergunta, imbecil.
- Perdão, senhor. Mas eu perguntei primeiro.
- Cachaça.
- Não temos essa bebida na casa, senhor.
- Que horas são?
- Onze horas, senhor.
- Conhaque.
- Não temos essa bebida na casa, senhor.
- E que horas o sol se põe?
- Ainda não respondeu minha pergunta, senhor.
- Uísque duplo, sem gelo.
- Não temos essa bebida na casa, senhor.
- Que horas o sol se põe?
- Por volta das dezoito e cinqüenta e três, senhor.
- Sei lá. Rum.
- Não temos essa bebida na casa, senhor.
Billy encarou o garçom pela primeira vez, com olhos negros e profundos sob sobrancelhas contraídas e despenteadas.
- E que merda vocês servem para beber nesta porra de boteco?
- Não é permitido dizer palavrões nesta cidade, senhor. Foi informado pelo próprio Xerife The Legado, creio eu.
- Ainda não respondeu minha pergunta, senhor. – debochado.
- Água mineral com ou sem gás, sucos e refrigerantes.
- Nada com álcool?
- Não é permitido o cons...
- ...sumo de bebidas alcoólicas nesta cidade, senhor. – mais debochado - Eu devia ter imaginado.
- E então, senhor?
- Escute aqui seu garçonzinho de bos...
- Não é permitido dizer palav...
- ...que! Garçonzinho de bosque!
- O quê quer dizer com isso, senhor?
- Que você é um animal. Uma anta! Um jumento filho de uma...
- Não é permitido diz...
- ...égua! E de quem mais um jumento poderia ser filho, oras?!
- Jumentos são paridos por jumentas, senhor, não por éguas. O senhor provavelmente se confundiu porque jumentos são freqüentemente cruzados com éguas para gerarem mulas e burros. Eles são excelentes animais de carga, senhor.
- Chega! Eu volto ao meio-dia em ponto, e quero meu frito do vaqueiro pronto, fervendo, em cima daquela última mesa no canto direito. Entendido?!
- E para beber, senhor?
- Água!
- Com ou sem gás, senhor?
Billy sacou sua arma com uma rapidez jamais vista naquela cidade. O silêncio tomou conta do velho bar. Todos ali - com exceção do próprio The Ment - pensaram a mesma coisa: será que o xerife The Legado está ciente da agilidade de seu próximo oponente? Será que o forasteiro insolente vencerá o duelo ao pôr-do-sol? Será que é bom esse tal de frito do vaqueiro?
O cano gelado pressionou o centro da testa do garçom.
- Meio-dia. Em ponto. Entendido?
- Sim, senhor.
The Ment guardou o revolver e foi em direção à porta. Antes de sair ainda deu seu último recado.
- Sem gás.

9.8.07

duelo ao pôr-do-sol

capítulo I – o forasteiro insolente

John The Legado era o xerife mais durão do velho oeste. Depois que assumiu o comando da polícia local, o índice de criminalidade em Wingsville era zero. Isso mesmo. Não havia um criminoso que ousasse agir nos domínios de John The Legado. A cidade era perfeita.

Billy The Ment era só um cara meio bobo num pangaré meia-boca, mas seu tamanho era de assustar. Um nômade que nunca parava, exceto para roubar, comer, beber, dormir, mijar, cagar e foder putas gordinhas, suas preferidas.
Um dia Billy passou por Wingsville e, como não era de costume, parou no bar. E parou o bar. O estrondo de suas botas enormes com esporas gigantescas batendo contra a madeira do assoalho ecoava por todo o recinto. Ao fundo dava para ouvir as dobradiças enferrujadas gritando enquanto as portas ainda iam e voltavam violentamente.
John foi o último a ver quem era. Pegou seu copo de chá gelado, tomou três longos goles e virou-se lentamente, secando os lábios com as costas das mãos.
- Alguém tem um careta aí? – perguntou Billy com cara de tonto, sua única.
- Ninguém fuma nessa cidade, forasteiro. – respondeu John com cara de xerife.
- Como assim ninguém fuma? Que porra é essa?
- E ninguém fala palavrão também. Quem é você?
- Billy The Ment. E você?
- Sou John The Legado. O xerife mais durão do velho oeste.
- Peraí, é delegado ou é xerife?
- Sou John The Legado.
- Então eu quero falar com o xerife.
- Eu sou o xerife.
- Caralho, mas você acabou de falar que é delegado.
- Basta! Eu o desafio para um duelo ao pôr-do-sol!
Ah, tava demorando. Ser xerife para The Legado era só uma questão de obter permissão legal para desafiar alguém a um duelo ao pôr-do-sol, mesmo que fosse às dez e meia da manhã.
- Senhor. São dez e vinte e nove da manhã. – cochichou Dick The Baixo, o assistente de John que esteve ali o tempo todo, mas ninguém tinha percebido.
- E o que você quer que eu faça? A lei, criada por mim mesmo, proíbe a realização de duelos antes ou depois do pôr-do-sol. E você sabe muito bem disso!
O capacho se rendeu à sua insignificância e voltou a se calar.
- Muito bem. Onde paramos? – recompôs-se o xerife.
- Você me desafiou para um duelo ao entardecer. – respondeu Billy já um tanto entediado.
- Pôr-do-sol, idiota! Eu o desafio para um duelo ao pôr-do-sol!
- É The Ment. O meu sobrenome é The Ment!
- Só até o pôr-do-sol, forasteiro. Só até o pôr-do-sol.
- E o que eu faço até lá?
- Não saia da cidade e não cometa um crime sequer.
- E se eu tentar sair da cidade?
- Eu te pego e você espera o pôr-do-sol atrás das grades.
- E se eu cometer um crime.
- Idem.
- Aqui tem almoço?
- Sim.
- Não perguntei pra você não. Foi pro garçom. Pode ir.
- Insolente. Aproveite bem suas últimas horas de vida.
John abaixou o chapéu e seguiu com passos firmes em direção à porta. Trombou o ombro com o do seu oponente e saiu sem olhar para trás, nem mesmo depois de ouvir o pavoroso grito de The Baixo ao quebrar o seu protuberante nariz com uma senhora portada vai-e-vem na fuça.
The Ment também não olhou para trás. Estava muito ocupado ouvindo as opções de almoço.